Renato Rocha ex-Legião se abre e fala tudo

Por Marcus Marçal
Fotos: Arquivo e Klair Robson

Matéria saiu no site
Falaê!

Renato Rocha sumiu por uns tempos, mas está de volta.
Aproveitado o afã em torno do lançamento da biografia
de Renato Russo escrita pelo jornalista Arthur
Dapieve, entramos em contato com o ex-legionário.

No momento, Negrete anda batalhando espaço no front
para seu novo projeto musical - o trio Cartilage. Com
CD-demo nas mãos, o legionário dissidente vislumbra a
possibilidade de se lançar no mercado como band
leader, mais de dez anos após sua saída da Legião.

Renato ficou calado durante anos e agora voltou com a
corda toda, jogando farpas para tudo quanto é lado -
não poupando inclusive seus ex-companheiros de banda.

Confira na entrevista abaixo, sua versão sobre sua
saída do grupo e mais uma série de assuntos
pertinentes ao maior nome do rock brasileiro:
a Legião Urbana

Falaê! - Em uma das músicas de seu CD-demo, você incluiu trechos de letras de outros compositores - incluindo versos do Chico Buarque, Geraldo Vandré e Renato Russo. Você acha que pode ter algum problema com autorizações, caso emplaque um álbum com o
Cartilage?

Renato Rocha - Tomara que haja algum tipo de problema, quanto mais melhor. Eu quero pagar indenizações milionárias para essas pessoas, principalmente para o Geraldo Vandré. Eu o encontrei outro dia, ele sofreu uma lobotomia por parte dos militares e está lesado - então vai ser maravilhoso se eu pagar uma indenização para ele.

Quanto aos versos do Renato (N.R.: Negrete utilizou trechos de "Soldados" na canção "Jeckyll & Hyde"), posso dizer que eu toquei na Legião Urbana. Se eles fizerem qualquer coisa, eu vou cobrar o álbum "As Quatro Estações" que eu (enfático) fiz com o Renato Russo. Vai ser assim: uma guerra! Eu e o Renato fizemos o álbum "As Quatro Estações" sozinhos, eu e ele. E isso foi usado sem a minha autorização, diga-se de passagem.

Falaê! - Ressalto o fato de você ter concedido uma entrevista ao "Correio Braziliense" e o Rafael Borges (ex-empresário da Legião Urbana) ter reclamado em nome dos outros integrantes, por achar que não era uma atitude legal da sua parte. Ele se referiu ao fato de você só hoje ter falado nisso, ter surgido com essas histórias agora.

Renato Rocha - (enfático) Eu toquei as músicas, então decido se quero tocar ou não. Cara, ninguém me procurou! Ninguém me ajudou a fazer nada, então reapareci agora pensando que as pessoas haviam mudado. Mas acontece que eu mudei, graças a Deus - mas elas não mudaram.

Olha só: eu não estou crucificando o Renato por isso, mas também não estou querendo ser lesado. Isso porque se eu mesmo não tivesse essa idéia, outros teriam. Todo mundo já cantou letras do Renato Russo, por quê eu teria problema? Só por que eu saí da banda, porque ele me tirou da banda?

Falaê! - Mas você chegou a ter algum contato com o pessoal da banda depois da sua saída? Inclusive até teve aquele lance da gravação daquela faixa do "Uma Outra Estação".

Renato Rocha - Tive, mas rolou na maior frieza. Gravei e ganhei R$1.000 por ter tocado na faixa. E depois não ganhei nem mais um centavo. Foi assim: o Dado me procurou, eu estava no Baixo Leblon. Nessa época eu ainda bebia e cheirava, e ele falou assim: "Você quer ganhar uma grana?" E então eu fui lá e gravei essa faixa.

Foi logo depois que o Renato morreu. E eu ainda demorei pra caramba, tive que fazer um monte de coisas porque minha carteira de músico estava vencida e estava nas mãos do Rafael Borges. Eu tinha quase que perdido o meu direito de tocar música e quando os
achei tinha mil reais me esperado: olha só que fortuna! Foi o máximo (afetando sarcasmo)!

Para mim, foi ótimo, porque ainda levei mais um mês para ver a cor dessa grana (irônico). Isso porque havia trâmites legais, uma papelada... E cara, qualquer coisa que eles façam tem muito mais histórias escabrosas para contar. E acho que eles não gostariam de manchar o nome do Renato Russo... Isso porque eu toquei muitos anos na banda e agüentei muito sapo - então existem histórias maravilhosas. Eu acho que é o mínimo.

Falaê! - Se eu não me engano, você e o Bonfá costumavam a ter problemas um com o outro. Queria que você falasse sobre isso.

Renato Rocha - Era horrível porque o Bonfá era um cara chato, ele retardava o processo de gravação e o Renato ficava passando a mão na cabeça dele o tempo todo. Ele não acertava o tempo das músicas, mas aí o Renato passava a mão na cabeça do Bonfá o tempo todo: "Não
gente, ele vai conseguir. Ele só está nervoso! É só ele treinar um pouco..." - eram nove horas de desculpa por dia. E era um saco aturar aquela "Krakatoa Vermelha" (N.E.: um apelido ao qual o baixista chamava Marcelo Bonfá), e ele ainda chegava atrasado. E ele ficava enrolando, com medo de enfrentar a mesa e seu maior problema: o tempo. Ele não treinava e era uma merda. Cara, em cada música ele levava uma semana para gravar e enche o saco você ter que escutar uma música mais de dez, vinte, trinta vezes. E erra e volta... e erra e volta... Socorro!

O Bonfá não tinha tempo e perdíamos muito tempo gravando. Faltava timing, uma coisa que ele não conseguia em nenhuma das músicas... então íamos tocar com metrônomo e aí ele errava. E como ele tinha muita guarita com o Renato, que acobertava muito para ele ficar muito tempo no estúdio - e o Bonfá levava muito tempo gravando. Gastávamos mais tempo de estúdio com o Bonfá do que com o Renato, que ainda tinha que colocar as letras, mais as mixagens. E olha que ele só fazia o básico, o que ele tinha a maior dificuldade de fazer.

Falaê! - Foi publicado que você se atrasava aos ensaios da banda e que isso foi o principal motivo da sua saída. É verdade?

Renato Rocha - Quero acabar com essa idéia imbecil de que eu não cooperei, foi muito pelo contrário... Acontece que até hoje as pessoas não se dão conta do que é um trabalho profissional, até porque, no Brasil, é muito difícil você ser um profissional. E quando você é muito profissional, as pessoas te chamam de metódico e daí elas te isolam - aí você passa a ser ridículo. É assim que funciona o Brasil, então posso dizer que não havia atraso de Renato Rocha porra nenhuma - foi má vontade de toda a equipe da Legião Urbana.

Falo isso porque eu continuo sendo músico e, mesmo assim, as pessoas não me chamaram para fazer trabalho algum. E, apesar de eu ter passado por problemas, nunca virei um monstro, nunca matei ninguém, nunca precisei roubar, nem fazer tráfico de drogas, tampouco tráfico de influências, do tipo: "Ah, eu fui baixista da Legião Urbana, então eu quero tocar aqui". Então posso dizer que eu sempre fui assim, esperei oportunamente as oportunidades chegarem a mim e estar preparado para fazer as coisas. Posso dizer que eu estou preparado? Sim, porque com a graça de Deus eu venho, no decorrer do tempo, desenvolvendo o meu talento musical e também a minha cabeça, que era muito infantil. E também porque passei um tempo me livrando das drogas, desintoxicando.

Falaê! - Queria que você falasse um pouco do Renato, da imagem que você guardou dele com o passar dos anos.

Renato Rocha - Cara, o Renato Manfredini Jr. era simplesmente a cabeça de toda a galera, foi ele quem fez a primeira proposta de banda - e ele ensinou para a galera o caminho. Eu aprendi muito com ele, todos nós devemos muito a ele. Cara, eu posso ter tido as minhas diferenças com ele, mas elas morreram com o tempo.

Eu acho que o Renato era uma pessoa muito iluminada. Ele tinha muito a oferecer em nível de criatividade, mas se sentia preso dentro daquele corpo que não malhava. O Renato trocava o dia pela noite. Ele morreu cedo porque procurou as drogas e o caminho mais escuro
da vida.

Na época do "As Quatro Estações" ele ficava falando de Deus o tempo todo porque estávamos tendo problemas, por isso eu digo que ele utilizou em estúdios as idéias que estavam rolando. Então, posso dizer que eu estava procurando Deus porque eu estava muito louco.

O Renato sempre foi um cara viajandão. Ele foi vítima dele mesmo porque ele não se preparou para ser um megastar. Ele sempre teve essa idéia de ser um poeta, tipo esses intelectuais que ficam frustrados. Mas ele não foi um intelectual frustrado porque ele pegou o dom que Deus deu e canalizou direto para as músicas. Ele sempre foi esse cara desligado e acho que não foi muito afetado no começo - isso só aconteceu depois.

Me refiro ao fato de você não estar preparado para receber elogios ... e aí aparece aquela questão de você ser ou não um atleta. Isso porque quando o cara é atleta, se ele recebe hoje um elogio, amanhã ele volta a treinar de manhã cedo. E é aí que ele começa a treinar a sério e quando você não é atleta você não tem esse espírito: se você recebe um elogio, você fica
lá contemplando, se deliciando do seu próprio ego.

Então, acho que o Renato Russo se deixou levar pelas pessoas.

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